O
que se via naquela casa datada dos anos 20, era o contraste cruel entre a dor e
o alivio. Ornamentando as paredes por sobre o chão de tábuas corridas, fotografias
antigas em molduras ovais, algumas encardidas, outras desenhadas. Os lustres,
pomposos, foram herança dos avós vindos
da Europa. Cada toalha que cobria as
mesas de canto era bordada à mão por ela, nas noites de angústia frente a uma
possível convocação de seu amado para a Guerra.
Conheci
aquele casal. Por algumas vezes tive o
prazer de cumprimentar o marido apoiado em sua bengala, sempre de roupa social,
passeando tranquilamente pela avenida na qual nossos lares se encontram. Ela vi poucas vezes, algumas na janela, outras
na porta, para receber o amado, tirando-lhe o chapéu da cabeça e lhe dando um
abraço protetor. Quando era criança,
eles visitaram minha avó em um domingo de páscoa.
Mas
naquele dia, a casa tão linda possuía anexos
em sua decoração. O contorno do
desânimo na face de filhos e netos, cansados, preocupados com o estado de saúde de ambos. Apreensão.
Era chegada a hora da despedida e eles sabiam disso. Foi então naquela tarde quente
em que o céu entardecia vermelho, que ela se foi. Um coletivo abraço, cheio de dor e saudade
foi distribuído na sala. – Temos que contar pra ele.
Naquele momento cheio de peso e saudade adentraram o quarto no qual o Senhor estava
deitado, também muito doente, cansado, mas certo de ter sido o melhor para a
esposa e família, um bom pai, um excelente amigo e ser humano. – Temos que conversar...
E
prontamente respondeu:
-
Eu já sei. Ela esteve aqui. Façam como era a vontade dela.
Um
calor aqueceu o peito de cada um ali presente. Era assim que se confirmava uma
legítima história de cumplicidade. O
amor moldado em tempos de poucas coisas descartáveis, dos bailes, do fumo em
cachimbo, do abraço inocente e sincero entre o eterno casal de namorados que
perderam a cor dos cabelos juntos. Não
houve um dia de primavera em que as sombras de ambos não fossem projetada juntas,
como uma única figura.
E
como em um conto de fadas, alguns dias depois, ele teve que partir. Em breve, a primavera vai chegar, e as flores
só voltariam a ter a mesma beleza se as sombras de ambos pudessem estar juntas.
É assim que é a Vida. E foi assim que me contaram.
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