terça-feira, 16 de setembro de 2014

A Primavera ( ou o amor nos tempos de poucas coisas descartáveis)



             

   O que se via naquela casa datada dos anos 20, era o contraste cruel entre a dor e o alivio. Ornamentando as paredes por sobre o chão de tábuas corridas, fotografias antigas em molduras ovais, algumas encardidas, outras desenhadas. Os lustres, pomposos, foram herança dos  avós vindos da  Europa. Cada toalha que cobria as mesas de canto era bordada à mão por ela, nas noites de angústia frente a uma possível convocação de seu amado para a Guerra.
                Conheci aquele casal.  Por algumas vezes tive o prazer de cumprimentar o marido apoiado em sua bengala, sempre de roupa social, passeando tranquilamente pela avenida na qual nossos lares se encontram.  Ela vi poucas vezes, algumas na janela, outras na porta, para receber o amado, tirando-lhe o chapéu da cabeça e lhe dando um abraço protetor.  Quando era criança, eles visitaram minha avó em um domingo de páscoa.  
                Mas naquele dia, a casa tão linda possuía anexos  em sua decoração.  O contorno do desânimo na face de filhos e netos, cansados, preocupados  com o estado de saúde de ambos. Apreensão. Era chegada a hora da despedida e eles sabiam disso. Foi então naquela tarde quente em que o céu entardecia vermelho, que ela se foi.  Um coletivo abraço, cheio de dor e saudade foi distribuído na sala. – Temos que contar pra ele.
              Naquele momento cheio de peso e saudade adentraram o quarto no qual o Senhor estava deitado, também muito doente, cansado, mas certo de ter sido o melhor para a esposa e família, um bom pai, um excelente amigo e ser humano.  – Temos que conversar...
                E prontamente respondeu:
                - Eu já sei. Ela esteve aqui. Façam como era a vontade dela.
                Um calor aqueceu o peito de cada um ali presente. Era assim que se confirmava uma legítima história de cumplicidade.  O amor moldado em tempos de poucas coisas descartáveis, dos bailes, do fumo em cachimbo, do abraço inocente e sincero entre o eterno casal de namorados que perderam a cor dos cabelos juntos.  Não houve um dia de primavera em que as sombras de ambos não fossem projetada juntas, como uma única figura.
                E como em um conto de fadas, alguns dias depois, ele teve que partir.  Em breve, a primavera vai chegar, e as flores só voltariam a ter a mesma beleza se as sombras de ambos pudessem estar juntas. É assim que é a Vida. E foi assim que me contaram. 

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