Esse céu
escuro que recobre a Cidade me induz a vontade de, sem pestanejar, atirar-me a
todo indício ou vestígio de futuras felicidades. No entanto, quando reparo onde estou fincando
o pé, e no tom do som dos meus passos, percebo que essa coragem repentina é
burra. Demagogicamente, nomeio isso de
esperança. Bobagem. A esperança morreu.
A margem de
toda convenção social diurna, a noite todos somos iguais. Quando em reduzido número de pedestres, a
movimentação nas calçadas dessa cidade falida torna-se meio uma dança. E no
ápice do espetáculo, eu me flagro andando uns 3 metros fora do passeio. Sou o
rei do mundo ao perceber que, além de mim, só os quatro cachorros marrons
desfrutam do vento da noite e do barulho de grilos e tevês nas janelas dos
prédios.
Nesse Universo
que vivenciei na transferência do ontem para o hoje proporcionado pela
madrugada e pelo giro dos ponteiros do relógio, o frentista do posto é mais que
qualquer padre, psiquiatra ou advogado.
O maluco que cata latinhas sabe mais verdades que um PHD em filosofia, e
sou o mais feliz dos seres humanos.
De réu, eu
passo a herói. Um capitão de navio, presidente de um país só meu. Um escritor como eu sempre sonhei ser, e
principalmente, senhor de meu destino.
Todo plano
traçado na madrugada, por mais mirabolante que seja, é uma meta.
Então, me
lembro de toda demonstração do meu melhor. Das noites nos mais variados
lugares, em que às vezes com frio, deitado em um colchão fino como uma carta de
baralho, eu admirava minha postura. Recordo-me de cada mulher que amei, de cada
amigo que ajudei e de cada escolha. E me sinto um rei bem menor do que eu
queria.
Ultimamente eu
vinculo o conceito de felicidade à prática social da solidão facultativa. Eu prefiro os poucos, e loucos, do que a
massiva presença dos dias mais comuns. Utopicamente,
ocupo um cargo de alta patente em minha sociedade de cachorros de rua,
frentistas, catadores, padeiros chegando pra trabalhar, e principalmente de
janelas entre abertas com aquela luminosidade típica das televisões de gente
que dorme tranquilamente.
Como
um cavaleiro em uma busca pelo seu reino, eu encontro o que procuro. Três latas de cerveja. Tomo uma, troco
confortantes palavras com meus anônimos amigos, e volto para casa. A segunda lata é absorvida enquanto escrevo
esse texto.
A
terceira, tomo na varanda do meu quarto. O limite entre meu castelo e meu
reino, vasto reino calmo, de tranquilidade e silêncio. Sou o governante de mim, dos meus amores e
anseios, pelo menos até os primeiro ônibus encharcar meu dia de ruído.
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