quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

O ultimo romance ( Feliz 2014!!!)

 Pendurado num cabide randômico, desses vendidos em pacotes, um terno cinza sem marca. A calça de linho, já havia vestido, e encontrava-se nesse exato momento, calçando os sapatos quase engraxados, o que se resolveria apenas com um leve atrito da flanela e pronto.
Foi até o banheiro, e com a toalha envolvida no pescoço, começou a se barbear.  Barba de uma semana. Desleixo cotidiano. Vestiu a camisa xadrez, acertou o nó da gravata, e com duas mãos de loção mentolada, terminou de se arrumar.
Descendo as escadas de madeira do casarão antigo em que morava (como tudo que possuía em sua vida, datado de remotos tempos em que as coisas eram feitas para durar, inclusive os amores) ele pensava em quanta solidão lhe sobrara ao longo dos anos. Quando jovem, amou uma, duas, três vezes.  De dois desses amores, filhos que já não via. Do terceiro, a aliança na carteira, única lembrança de sua ausente companheira.
Tira então do bolso, a chave do fusca 68. Ao entrar em seu carro, presta atenção nas sábias palavras de Altemar Dutra, afirmando ser sentimental. E ele também era.  Abraçara a vaidade aquele ultimo dia do ano, para tentar de vez, encontrar na vida, graça para continuar.
Enquanto cortava as ruas confusas de Belo Horizonte rumo ao baile da terceira idade, cogitava possibilidades variadas para mudar seu destino. Em determinado ponto, por sobre um viaduto, parou. Sentou no parapeito, e numa suicida postura, aos olhares de gente que passava lá embaixo, apenas tirou um cigarro do maço, acendeu e optou por se matar lentamente. Nada mais digno.
Fumou em cinco tragos.  Voltou a dirigir.
E nas reflexões de quanto faz feliz ou o quanto faz sofrer um grande amor, parou em frente ao Clube.  Pelos portões de madeira, entrou garboso como um jatobá, imponente, sustentado pela dureza da vida e do coração.  Casais dançavam embalados apenas por um jovem cantor e seus companheiros de banda.
No balcão, a cada alcalina golada em seu uísque, remoía sentimentos.  Foi quando repentinamente, ele notou na outra extremidade, um olhar como o seu. Cansado. Sem brilho, mas transbordando vontade de um ponto final.  E percebeu então, que seus olhares enfim, se cruzaram.
Tomou coragem, e mais um uísque.  Sentou ao lado dela. E ali, conversaram.  Inevitável como deveria ser, levantaram-se e de mãos dadas, foram dançar.  Dedos cansados das mágoas e desilusões passadas em diferentes décadas se apertavam em um misto de carinho e desespero.  – Por favor, não me solte.
Sorriram. 
Nos dez últimos segundos daquele ano, perceberam, que apesar das rugas e dos cabelos grisalhos, ainda tinham chance. E como jovens, resolveram tentar uma ultima vez.
Uma ultima e derradeira tentativa... Talvez a mais sincera de todas.

E viveram felizes os primeiros minutos de 2014.  


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