Sentado,
portando em uma das mãos uma cerveja, na outra o telefone celular, na porta de
uma casa antiga me encontrava. A chuva gota a gota coloria o asfalto. O cheiro
bom do calor indo embora, e a brisa típica das noites “sem quase” nada em minha
cidade completavam o cenário.
Na
oscilação da luminosidade noturna, fruto dos postes e da rua estreita na qual
casarões tão antigos quanto o próprio tempo mantinham-se fortes como um abraço
de despedida (sempre o mais forte), um pequeno gato preto, andava maroto rumo a
uma lixeira abarrotada de sacos plásticos. Não sei por que carga d´água lembrou-me do
gato Manda Chuva, que assistia na TV quando o meu número de outonos
restringia-se a 10. A nostalgia é o
primeiro sinal de que a realidade atual, não satisfaz seu portador.
Tão
inevitável quanto o próprio ar, vem à vontade de procurar no céu alguma
resposta. O grande problema das chuvas de verão, é que elas ceifam o olhar de
quem procura essa resposta, e foi recorrendo a essa busca por qualquer
resquício de estrela ou da lua, que passeei os olhos pelo céu assistindo as
cristalinas gotas de chuva cruzando as lâmpadas dos postes na diagonal. Janela
por janela, percorri os casarões e foi num deles que travei meu olhar.
Ela
parecia sorrir. Satisfeita. Como se minha estada involuntária ali naquele
portão, abrigado da chuva e portando uma cerveja que começava a esquentar lhe
desse prazer. Ela assistia cada traço da minha angústia com seu olhar fixo,
dissimulado, e porque não, hipnotizador.
Quase
humana ali, debruçada na janela, flertando meu olhar de busca com uma expressão
macabra, a namoradeira zombava do tempo e do espaço. Esticou os segundos em minutos, e os minutos
em hora e meia. Aumentou a chuva e a saudade daqueles dias e noites em que o
pouco me contentava.
Estava
preso. Tanto pelo olhar quanto pela chuva, preso no momento em que eu era mais
gesso e massa que a própria namoradeira. Foi quando meu telefone tocou e a
hipnose foi quebrada. Meus amigos
perguntando onde eu estava. Resolvi encarar a chuva.
Neste
exato momento em que me levantava para ganhar o passo rápido de quem não quer
se molhar, olhei novamente para Ela. Mais humana por um segundo pareceu se
movimentar milimetricamente como se fosse sair da janela. Eu sei que eram meus
olhos me enganando, no entanto meu coração aceitou a brincadeira satânica
pregada por eles. De súbito, uma
taquicardia acelerou meu peito, e uma gelada corrente desceu pela espinha, me
fazendo sentir um medo que há muito tempo não sentia. A sensação de eternidade proporcionada em
poucos segundos me impeliu a apertar os passos em direção ao bar onde meus
amigos estavam.
É
quando o inanimado ganha vida, e o medo causa em seu corpo uma descarga de
sentimentos e sensações que chegamos à conclusão de que algo definitivamente
anda permeando a sutil camada entre realidade e fantasia, trazendo dos sonhos e
pesadelos a certeza de que muitas noites de sono serão perdidas novamente. Uma
guerra interior estava prestes a começar...
Nenhum comentário:
Postar um comentário