domingo, 12 de janeiro de 2014

O Olhar da Namoradeira



                Sentado, portando em uma das mãos uma cerveja, na outra o telefone celular, na porta de uma casa antiga me encontrava. A chuva gota a gota coloria o asfalto. O cheiro bom do calor indo embora, e a brisa típica das noites “sem quase” nada em minha cidade completavam o cenário. 
                Na oscilação da luminosidade noturna, fruto dos postes e da rua estreita na qual casarões tão antigos quanto o próprio tempo mantinham-se fortes como um abraço de despedida (sempre o mais forte), um pequeno gato preto, andava maroto rumo a uma lixeira abarrotada de sacos plásticos.  Não sei por que carga d´água lembrou-me do gato Manda Chuva, que assistia na TV quando o meu número de outonos restringia-se a 10.  A nostalgia é o primeiro sinal de que a realidade atual, não satisfaz seu portador.
                Tão inevitável quanto o próprio ar, vem à vontade de procurar no céu alguma resposta. O grande problema das chuvas de verão, é que elas ceifam o olhar de quem procura essa resposta, e foi recorrendo a essa busca por qualquer resquício de estrela ou da lua, que passeei os olhos pelo céu assistindo as cristalinas gotas de chuva cruzando as lâmpadas dos postes na diagonal. Janela por janela, percorri os casarões e foi num deles que travei meu olhar.
                Ela parecia sorrir. Satisfeita. Como se minha estada involuntária ali naquele portão, abrigado da chuva e portando uma cerveja que começava a esquentar lhe desse prazer. Ela assistia cada traço da minha angústia com seu olhar fixo, dissimulado, e porque não, hipnotizador.  
                Quase humana ali, debruçada na janela, flertando meu olhar de busca com uma expressão macabra, a namoradeira zombava do tempo e do espaço.  Esticou os segundos em minutos, e os minutos em hora e meia. Aumentou a chuva e a saudade daqueles dias e noites em que o pouco me contentava. 
                Estava preso. Tanto pelo olhar quanto pela chuva, preso no momento em que eu era mais gesso e massa que a própria namoradeira. Foi quando meu telefone tocou e a hipnose foi quebrada.  Meus amigos perguntando onde eu estava. Resolvi encarar a chuva.
                Neste exato momento em que me levantava para ganhar o passo rápido de quem não quer se molhar, olhei novamente para Ela. Mais humana por um segundo pareceu se movimentar milimetricamente como se fosse sair da janela. Eu sei que eram meus olhos me enganando, no entanto meu coração aceitou a brincadeira satânica pregada por eles.  De súbito, uma taquicardia acelerou meu peito, e uma gelada corrente desceu pela espinha, me fazendo sentir um medo que há muito tempo não sentia.   A sensação de eternidade proporcionada em poucos segundos me impeliu a apertar os passos em direção ao bar onde meus amigos estavam.

                É quando o inanimado ganha vida, e o medo causa em seu corpo uma descarga de sentimentos e sensações que chegamos à conclusão de que algo definitivamente anda permeando a sutil camada entre realidade e fantasia, trazendo dos sonhos e pesadelos a certeza de que muitas noites de sono serão perdidas novamente. Uma guerra interior estava prestes a começar...



Nenhum comentário:

Postar um comentário